A coordenadora de redação da Fuvest, o maior vestibular do país, fala sobre os bastidores da prova e ensina o bê-á-bá para fazer o texto perfeito
Todos os anos, a professora Maria Thereza Fraga Rocco tem uma tarefa de peso: preparar a prova de redação do vestibular mais concorrido e temido do Brasil - a Fuvest -, que faz a peneira dos candidatos que ingressarão na Universidade de São Paulo (USP). Mas o trabalho árduo começa mesmo quando os vestibulandos terminam a parte deles: é hora de ela supervisionar a correção de nada menos que 38 mil redações. Na entrevista a seguir, Maria Thereza - que coordena as áreas de português e redação da Fuvest - tira as principais dúvidas em relação à prova, dá dicas importantes para acertar no texto e adverte: "A redação só é um terror para quem não investe tempo em desenvolvê-la". Tomou nota?
Como é preparada a prova de redação da Fuvest?
A escolha do tema começa já em abril. No decorrer do ano cultivamos seis ou sete possibilidades de assunto, mas só fechamos mesmo em novembro. Não escolhemos nada que requeira conhecimento prévio e profundo do jovem. Pedimos temas que exijam que ele saiba refletir, julgar, analisar sob diversos ângulos, e nunca tópicos referentes às notícias recentes de jornal. Os estudantes ficam preocupados com a possibilidade de que caiam temas como a violência urbana, o aquecimento global, o gás natural na Bolívia. Não vai cair nada disso, já digo de cara!
E como é feita a correção?
Cada redação é escaneada e entregue a um par de corretores - professores treinados desde novembro -, que ficam em salas diferentes. Esses pares são sorteados todos os dias, e nenhum corretor sabe quem é seu par. São 72 professores, que ficam em duas salas enormes, uma distante da outra. Cada sala tem também dois coordenadores de correção, para ajudar no caso de dúvida em algum quesito. Há ainda a possibilidade de a prova passar por uma terceira correção. É feita uma média das notas dadas pelos dois corretores, mas as vemos separadamente no computador de controle. Se a diferença entre elas passar de 10 pontos, uma terceira pessoa é chamada para fazer outra avaliação.
O que pesa mais na hora de dar a nota?
Temos pontuações específicas para os três itens que a redação aborda: relação tema-texto, desenvolvimento e expressão. Por expressão refiro-me aos aspectos de concordância, regência, acentuação etc. Mas não ficamos atrás de erros se eles não trouxerem prejuízo ao entendimento. Aliás, essa parte é a que tem o menor valor. Dos três itens, o que pesa mais é a relação tema-texto. Em seguida vem o desenvolvimento da redação, a maneira como o candidato escreve sobre o assunto que delimitou. Verificamos se ele responde à questão que levantou, se a exemplifica, e assim por diante.
E no caso dos candidatos que não abordam o tema proposto?
É zero. Se eu peço ao candidato que fale de uma casa de alvenaria e ele me diz das folhas verdes que costumam existir nas florestas, a menos que ele seja um gênio e faça uma relação perfeita, está fora do tema. Nossas propostas são muito bem explicadas. Se o candidato não entende, o processo seletivo já começa ali.
Existe alguma forma de se preparar para a redação?
Existe: fazendo textos. Podem-se, por exemplo, produzir redações na escola ou em casa e discutir sobre elas com um professor ou um colega. As versões - que são os rascunhos - não podem ter aquele sentido antigo, de algo que se descarta no lixo. Aquela primeira versão é um anteprojeto do texto. E, à medida que ele for refeito, revisto e criticado, vai crescendo. Quem sabe escrever sabe escrever com a prática de desenvolver a escrita. A leitura é muito importante, mas a relação entre ler um texto e produzir outro não é automática.
O que o vestibulando deve ter em mente para escrever um bom texto?
A coerência, a coesão, o uso adequado de conectivos. Mas há um ponto muito importante: o conceito de autoria - quando se pode perceber que determinado texto foi de fato escrito por aquele candidato. Não nos interessa se a opinião é politicamente correta. As boas redações são aquelas que obedecem ao discurso dissertativo - que têm começo, meio e fim - e são fruto da independência do pensamento de cada um. Ficamos exaustos de ver a "camisa-de-força" enfiada nos jovens pela escola ou pelos cursos preparatórios.
Muitos alunos escrevem numa estrutura engessada de cinco ou seis parágrafos: começam com um "desde a Antiguidade"; no segundo parágrafo usam "por um lado"; no terceiro, "no entanto"; no quarto, "por outro lado"; no quinto, "é preciso, porém, considerar"; e, no sexto, "em resumo". Formalmente, a estrutura é corretinha. Mas o que se vê? Que os conectivos nada têm a ver com o restante do parágrafo.
Outra coisa que não se deve fazer: tentar mostrar erudição a qualquer custo. É comum vermos coisas do tipo: "como diz o grande poeta latino" ou "como escreveu Sócrates"... são chiques! Mas, ora, Sócrates não escreveu nada! O pior é que todo ano encontramos as mesmas citações. Sinal de que os alunos foram treinados para citar. O candidato deve citar, sim, mas com competência, sabendo o que está fazendo.
Você já encontrou redações de todo tipo. Quais foram as que mais a marcaram, para o bem e para o mal?
Há redações que arrepiam, a ponto de falar "meu deus, quando eu crescer quero ser igual a esse menino ou menina". Sempre que aparece uma redação linda, bem escrita, os coordenadores me chamam e eu vou correndo para ler. Um exemplo é o texto de uma moça que veio de Santa Catarina para prestar medicina. A redação dela era uma coisa! Foi no ano em que o tema era uma catraca instalada no centro de São Paulo como forma de manifestação artística: a moça queria tirar as catracas de sua mente, os momentos enferrujados que impediam a passagem de novas idéias. Era uma redação maravilhosa.
Em oposição, lembro de outra que começava assim: "Como estou feliz! Um lindo dia de sol neste 8 de janeiro em que vou fazer vestibular. É primavera". Oito de janeiro é verão. No hemisfério norte é inverno. Não há primavera no mundo nessa data! Ou seja...
sábado, 20 de dezembro de 2008
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